MORTE
POR EXCESSO DE TRABALHO (KAROSHI)
Libia
Martins Carreiro*
1
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O termo
“Karoshi” é utilizado no Japão para definir “morte por excesso de trabalho”, no
qual KARO significa excesso de trabalho e SHI, morte.
O
“Karoshi” é descrito na literatura sociomédica como um quadro clínico extremo
(ligado ao estresse ocupacional) com morte súbita por patologia coronária isquêmica
ou cérebro vascular.
O
primeiro caso de morte súbita registrado ocorreu em 1969, no Japão, quando um
trabalhador de 29 anos, empregado da área de distribuição de jornais da maior
empresa japonesa do ramo, morreu por infarto.
Esse
novo fenômeno foi rapidamente rotulado “Karoshi” e foi imediatamente visto como
uma nova e grave ameaça à força de trabalho.
Em
1987, como a preocupação pública aumentou, o Ministério do Trabalho japonês
começou a publicar estatísticas sobre “Karoshi” e, em 1991, anúncios sobre
“Karoshi” apareceram em jornais estrangeiros.
Recentemente,
em dezembro de 2007 e janeiro de 2008, os canais de comunicação de todo o mundo
noticiaram que a Corte de Nagoya, no Japão, reviu a decisão do Ministério do
Trabalho que havia recusado benefícios à viúva de ex-funcionário da Toyota
Motor, Kenichi Uchino, que morreu em 2002 por excesso de trabalho, dando
novamente notoriedade a esse trágico evento que tem ocorrido com os empregados.
No
Japão as horas extraordinárias trabalhadas, em geral, não são remuneradas. São
consideradas como trabalho voluntário. A decisão da Corte de Nagoya é
importante porque pode aumentar a pressão sobre as empresas para tratar das
“extraordinárias livres” (trabalho que um empregado é obrigado a executar, mas
não recebe) como trabalho remunerado.
Os
números oficiais dizem que os japoneses trabalham cerca de 1780 horas por ano,
ligeiramente menos do que os americanos (1800 horas por ano), embora mais do
que os alemães (1440). Mas as estatísticas são falaciosas, pois não contam as
“extraordinárias livres”. Outras mostram que um em cada três homens com idade
entre 30 e 40 anos trabalha mais de 60 horas por semana. Metade desses não
recebe nenhuma hora extraordinária.
Na
atualidade, anualmente o Ministério do Trabalho japonês tem indenizado entre 20
e 60 famílias de trabalhadores que morrem pelo “Karoshi”. Alguns especialistas
consideram que as vítimas do KAROSHI ultrapassam 10.000/ano.
O
Ministério da Saúde, Trabalho e Previdência Social japonês publicou estatísticas
relevantes em 2007: 147 trabalhadores morreram, muitos por acidentes vasculares
cerebrais ou ataques cardíacos.
Por se
tratar de um termo médico-social, o “Karoshi” abrange uma interdisciplinaridade
considerável, sendo objeto de estudos por administradores, psicólogos, médicos,
juristas, dentre outros profissionais.
Segundo
Liliana Guimarães, Professora Doutora do Departamento de Psicologia Médica e
Psiquiátrica da FCM/UNICAMP, em artigo publicado no sítio da Sociedade Paulista
de Psiquiatria Clínica, no Japão as autoridades resistiram a princípio, ao
reconhecimento desta patologia como sendo de origem ocupacional, mas a grande
pressão social e o crescente número de viúvas e filhos que impetraram processos
indenizatórios contra as empresas e o governo fizeram com que a 1ª indenização
fosse concedida já nos anos 70.
Relata
ainda a Professora que: O Ministério do Trabalho japonês começou a publicar
estatísticas sobre o KAROSHI, de 1980 a 1987, e estas apontam para o fato de
que o KAROSHI privilegiava quanto à sua sintomatologia terminal: os ataques
cardíacos e os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) acometendo mais, aqueles
que trabalham mais de 3000 horas/ano.
Os
estudos realizados pelo Ministério do Trabalho japonês indicaram que as mortes
foram associadas a longas horas de trabalho, trabalho por turnos, trabalho e
horários irregulares. A maioria das vítimas trabalhava longas horas,
equivalentes a mais de 3000 horas por ano, pouco antes do falecimento.
A
Organização Internacional do Trabalho, no XVI Congresso Mundial de Saúde e
Segurança no Trabalho, realizado em Viena, no dia 27.05.2002, e em relatório
publicado em 2003 reconheceu o “Karoshi” como causa de morte relacionada ao
trabalho ao constatar que 23% de trabalhadores morrem por doenças circulatórias
relacionadas ao trabalho, sendo que um dos principais fatores que contribuem
para a morte são as doenças cardiovasculares, que têm, entre suas causas, o
trabalho por turnos e trabalho noturno, longas horas de trabalho (incluindo a
morte por overwork, às vezes conhecido como “Karoshi”).
A
Convenção n. 187, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada pela
Conferência Internacional do Trabalho em junho de 2006, recomenda aos países a
adoção de políticas nacionais de prevenção de acidentes do trabalho, o que pode
auxiliar na diminuição dos casos de morte súbita entre os empregados.
No dia
24 de julho de 2007, o Japão ratificou a Convenção n. 187 da OIT e assumiu o
compromisso de fortalecer seu sistema de saúde e segurança no trabalho, sendo o
primeiro país do mundo a ratificá-la.
2
REPERCUSSÕES NO DIREITO DO TRABALHO
No âmbito
social do trabalho, em especial no contrato de trabalho, a realização de
excessivas horas extras tem sido uma das situações mais comuns relacionadas com
o “Karoshi”.
A
realização de horas extras é uma exceção prevista em lei (CF, art. 7º, XIII;
CLT, arts. 58 a 61). Todavia, o que vemos no dia-a-dia das empresas, indústrias
e comércio é a exigência reiterada do trabalho extraordinário para aumentar a
produção e o lucro.
No
Brasil, os casos de morte por excesso de trabalho já vêm sendo investigados. A
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, com apoio do Ministério
Público do Trabalho da 15ª Região, investigou em 2005 os casos de “morte
súbita” de cortadores de cana no interior do Estado de São Paulo, conforme publicado
em 20.12.2005, no sítio www.reporterbrasil.org.br.
Em
decorrência dessa ação conjunta foi elaborado um relatório por Cândida Costa,
da Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho. No relatório registrou-se
que entre abril de 2004 e 2005 pelo menos 10 trabalhadores morreram na região
canavieira de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, de causas semelhantes. A
avaliação foi de que as péssimas condições vividas pelos bóiasfrias, o corte de
cana e o pagamento proporcional - por metro de cana colhido - favoreceram a
ocorrência de mutilações e estavam ligados à ocorrência de paradas cardíacas e
até acidentes cerebrais hemorrágicos.
Segundo
constatou Cândida Costa: O pagamento proporcional à produção é o principal
malefício observado neste tipo de trabalho, porque faz com que os trabalhadores
trabalhem além de seus limites físicos para conseguirem uma melhor remuneração,
implicando o aumento da jornada de trabalho, que pode chegar de 10 a 12 horas
por dia.
Em
conclusão, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho sintetiza:
O
trabalho, no cumprimento de sua função social, tem como natureza proporcionar a
todo ser uma forma de vida digna baseada na emancipação da pessoa humana, sendo,
portanto, um dos princípios dos direitos humanos. A forma como é utilizada a mão-de-obra
pelas empresas monocultoras no interior do estado de São Paulo condiciona os
trabalhadores à alienação pelo trabalho, dependência e exploração, convertendo
o que seria um direito humano obrigatoriamente garantido pelo Estado num
esforço penoso, aprisionador dos seres humanos. Cabe, portanto, ao Estado brasileiro,
compreendido nas suas esferas municipais, estaduais e federal, zelar pelo
respeito ao trabalho como um direito humano, buscando-lhe meios de efetividade,
visando garantir que a sua implementação proporcione aos cidadãos trabalhadores
meios capazes de prover a sua vida e de seus familiares, de forma digna.
Porém,
não é só no âmbito rural que os casos de morte súbita têm feito vítimas.
Em
18.09.2006, o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais ajuizou ação civil
pública em face da empresa METALSIDER LTDA., distribuída perante a 3ª Vara do
Trabalho de Betim/MG sob o número 00648-2006-028-03-00-9, e requereu medidas
judiciais para que a empresa fosse forçada a cumprir a legislação relativa à
saúde e segurança no trabalho.
O
ajuizamento da ação foi motivado após a morte de um empregado da referida
empresa. A fiscalização efetivada pela Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador
da Delegacia Regional do Trabalho apontou como causas concorrentes da morte do
empregado o “excesso de jornada, realização de horas extras diárias e falta de
descanso semanal remunerado”.
A ação
foi julgada procedente em primeiro grau e mantida pela 1ª Turma do Tribunal
Regional de Minas Gerais, sendo determinadas as seguintes medidas:
a)
limitar a jornada de trabalho dos seus empregados a oito horas diárias e quarenta
e quatro semanais, admitindo o labor em sobrejornada nos termos dos arts. 59 e
61 da CLT;
b)
concessão de repouso semanal remunerado, de no mínimo 24 horas consecutivas, na
forma do art. 67 da CLT, sem prejuízo do intervalo mínimo de 11 horas para o
descanso entre jornadas;
c)
concessão de intervalo intrajornada, em conformidade com o disposto no art. 71
da CLT;
d)
concessão de intervalo entre jornadas mínimo de 11 horas na forma do art. 66 da
Consolidação das Leis do Trabalho.
Ao
apreciar o recurso interposto pela empresa nos autos do processo suprareferido,
o Relator Desembargador Marcus Moura Ferreira destacou com brilhantismo que:
É fato
que as horas extras têm sido praticadas pelas empresas de forma indiscriminada,
de modo que há muito não conservam o seu caráter de excepcionalidade, o que,
além de prejudicar a inserção de novos empregados no mercado, põe em risco a
incolumidade dos trabalhadores permanentemente sobrecarregados com a duração
anormal da jornada. Com o advento da Carta Magna de 1988 e a redução da jornada
de trabalho de 48 para 44 horas semanais, buscando s a criação de novos postos
de trabalho, verificou-se, ao contrário, um forte crescimento na execução de
horas extras. Todavia, a expectativa era de que este fosse apenas um expediente
transitório de organização empresarial, até a contratação de novos
trabalhadores ou automatização da produção. Contudo, tal artifício potencializou-se
como nova forma de dominação e precarização do trabalho. Dados do DIEESE
demonstram que houve aumento de quase 20% de empregados assalariados que
trabalharam além da jornada legal semanal, de 1988 a 2005. Em alguns setores,
como no comércio, este índice atingiu 56%.
Em
razão da importância do tema tratado na referida ação, o Ex.mo Juiz Relator
determinou a aposição do selo “TEMA RELEVANTE”, do Centro de Memória do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, conforme Ato Regulamentar n. 04, de
04 de maio de 2007 deste Tribunal.
Vale
destacar que a empresa METALSIDER LTDA. recorreu de revista da decisão
proferida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, sendo
negado seguimento ao recurso, o que culminou na interposição de agravo de
instrumento para o Tribunal Superior do Trabalho, ainda não apreciado.
De
fato, a matéria tratada na referida ação demanda mais atenção de todos aqueles
envolvidos na relação de trabalho. Conforme destacou o Desembargador Marcus
Moura Ferreira em seu voto:
[...] o
trabalho em horas extras é fortemente atraente para o setor produtivo, visto que
permite maior flexibilidade de ajuste da produção em função da flutuação da demanda.
Ademais, a utilização permanente do sistema de horas extras permite a contratação
de empregados com salários mais baixos, porque estes serão complementados pelo
pagamento das horas extras.
Todavia,
é fato notório que a realização de horas extras, em que pese ser atrativa ao
empregado sob o aspecto remuneratório, traz conseqüências muitas vezes
irreversíveis para sua saúde, além de afetar a vida do empregado, que abre mão
do convívio familiar, do lazer, do descanso.
A
preocupação com os excessos cometidos na prorrogação da jornada de trabalho é
assunto recorrente na doutrina e jurisprudência pátrias.
Arion
Sayão Romita aborda a banalização das horas extras no Brasil: Os baixos
salários correspondentes à jornada normal são reforçados pela paga advinda das
horas suplementares [...] As elucubrações dos teóricos (necessidade de repouso,
acesso ao lazer, prevenção de acidentes, combate à fadiga, etc.) cedem diante
da realidade econômica: é preciso que os trabalhadores ganhem mais. Os empregadores,
docemente constrangidos, aderem: os custos da produção se reduzem, já que não
precisam admitir novos empregados.
Depreende-se
do visto que o sistema de horas extraordinárias, que deveria ser exceção,
limitada a duas horas diárias, passou a ser a regra, com trabalho além do
limite previsto no artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Aliado
a isso, verifica-se, por parte das empresas, o descumprimento do disposto no §
1º do artigo 61 da Consolidação das Leis do Trabalho, que deixam de comunicar
ao Ministério do Trabalho a prorrogação da jornada além do limite legal nos
casos autorizados pela lei, como também não observam os períodos de descanso a
que fazem jus os empregados.
Os
acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e os casos de morte agora relatados
decorrem, em grande parte, desse rol de infrações por parte das empresas.
Em que
pese o artigo 75 da Consolidação das Leis do Trabalho prever que a Delegacia
Regional do Trabalho tem competência para a imposição de multas às empresas em
caso de infração aos artigos 57 a 74 do mesmo Diploma Legal, somente a
imposição de multas não tem sido suficiente para inibir as condutas ilegais das
empresas e também não se presta a recuperar o que foi perdido pelo empregado,
seja a vida, seja a saúde.
Muitas
vezes a infração não é somente à lei, mas também aos princípios basilares do
Direito do Trabalho, pois, muito mais do que violação à lei, esses empregadores
não observam que os empregados devem se tratados com respeito e dignidade.
De
fato, é necessária uma conduta mais atuante dos poderes públicos, bem como dos
sindicatos de empregados. Importantíssima é a atuação do Ministério Público do
Trabalho, com o ajuizamento de ações em face das empresas infratoras visando a
obter um pronunciamento judicial, como o proferido pelo Egrégio Tribunal Regional
do Trabalho da 3ª Região, para impor obrigações voltadas à correção dos erros cometidos,
observância da legislação e reparação dos danos suportados pelos empregados
prejudicados.
Além
das ações repressivas, as ações preventivas devem ser prioridades nas empresas,
assim como a prática efetiva de avaliação dos riscos e perigos no ambiente de
trabalho, combatendo-os em sua origem, a fim de evitar situações trágicas como
o “Karoshi”.
As
ações preventivas somente podem ser adotadas com a maior conscientização dos
empregadores, que são detentores dos meios de produção e responsáveis pelos
riscos da atividade econômica, não apenas dos riscos financeiros, mas também
dos riscos sociais, tais como os acidentes e doenças do trabalho, pois estes,
em geral, são vistos como mera fatalidade.
Não há
dúvida de que atualmente a doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a morte
súbita decorrente de enfartes ou AVCs como um fato relacionado ao trabalho e
que freqüentemente está associado a longos períodos de horas trabalhadas, razão
pela qual se deve impor às empresas rigorosas
exigências
quanto à política de saúde e segurança dos empregados, sob pena de se macular
toda a construção histórica dos direitos fundamentais, em especial a dignidade
do trabalhador.
3
PREVISÃO LEGAL
O
Decreto n. 3.048/99, que regulamentou a Lei n. 8.213/91, contém lista anexa com
previsão de diversos agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional relacionados
com a etiologia de doenças profissionais e de outras doenças relacionadas com o
trabalho.
Há
previsão específica de transtornos mentais relacionados com o trabalho, como se
pode observar no “grupo V da CID-10, do Anexo II - Lista B”.
Nessa
relação do grupo V da CID-1 é interessante destacar os itens VI, VIII, X, XI e
XII, conforme abaixo descrito: VI - Transtornos mentais e comportamentais devidos
ao uso do álcool: Alcoolismo Crônico (Relacionado com o Trabalho) (F10.2) VIII
- Reações ao “Stress” Grave e Transtornos de Adaptação (F43.-): Estado de
“Stress” Pós Traumático (F43.1) X - Outros transtornos neuróticos especificados
(inclui “Neurose Profissional”) (F48.8)
1.
Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: Condições difíceis de
trabalho (Z56.5)
2.
Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)
1.
Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho: reação após acidente
do trabalho grave ou catastrófico, ou após assalto no trabalho (Z56.6)
2.
Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)
1.
Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego (Z56.-): Desemprego (Z56.0);
Mudança de emprego (Z56.1); Ameaça de perda de emprego (Z56.2); Ritmo de
trabalho penoso (Z56.3); Desacordo com patrão e
colegas
de trabalho (Condições difíceis de trabalho) (Z56.5); Outras dificuldades
físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6)
Verifica-se
que a legislação pátria já reconheceu alguns “FATORES DE RISCO DE NATUREZA OCUPACIONAL”
como sendo capazes de ocasionar “TRANSTORNOS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO
RELACIONADOS COM O TRABALHO”.
A má
adaptação à organização do horário de trabalho (trabalho em turnos ou trabalho
noturno) e as circunstâncias relativas às condições de trabalho já foram reconhecidas
como fatores de risco de natureza ocupacional aptos a ocasionar doenças
ocupacionais, conforme listado nos itens acima.
Porém,
doenças como o ataque cardíaco, AVCs ainda não foram reconhecidas como doenças
ocupacionais, o que deve merecer uma atenção especial das autoridades
competentes nesse assunto.
4
ASPECTO PROBATÓRIO
O
Ministério do Trabalho japonês somente concede indenização para a família do
trabalhador que morre em razão do “Karoshi” se ficar provado que a vítima
estava envolvida no trabalho extremamente oneroso ou ficou ferida num acidente
e quando o evento ocorreu se foi ultrapassada em muito a carga normal de
trabalho um pouco antes ou, pelo menos, no mesmo dia que o ataque cardíaco ou
acidente vascular cerebral vitimou o trabalhador.
O
Manual Confidencial do Ministério do Trabalho japonês afirma que a causa da
morte decorre de “Karoshi” apenas quando o trabalhador está envolvido continuamente
pelo menos 16 horas por dia, durante sete dias consecutivos antes da morte e
também durante as 24 horas anteriores à morte.
Tais
condições de trabalho se inserem na rubrica de “acidental” nas sociedades em
que ela ocorre. O Manual afirma que o trabalhador deve ter trabalhado mais do
que o dobro das horas regulares durante a semana anterior ao colapso, ou três
vezes mais que o regular das horas do dia anterior.
Afirma-se
que apenas um dia de trabalho além das horas normais durante a semana anterior
ao colapso desqualifica o “Karoshi”, mesmo que o trabalhador tivesse trabalhado
duas horas além do horário regular nos restantes seis dias.
Quando
não configuradas as situações previstas no Manual, os demandantes são obrigados
a provar a causalidade entre as causas da morte e o trabalho.
A
pequena taxa de compensação, o longo tempo necessário para chegar a uma decisão
sobre se a morte deve ou não ser compensada e os critérios muito XI -
Transtorno do Ciclo Vigília-Sono Devido a Fatores Não-Orgânicos (F51.2) XII -
Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de Burnout”, “Síndrome do Esgotamento
Profissional”) (Z73.0)
1.
Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: Má adaptação à organização
do horário de trabalho
(Trabalho
em Turnos ou Trabalho Noturno) (Z56.6)2. Circunstância relativa às condições de
trabalho (Y96)
1.
Ritmo de trabalho penoso (Z56.3)
2. Outras
dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6) rigorosos do
Ministério do Trabalho por vezes desencorajam os familiares das vítimas a
requererem a indenização ao Governo japonês.
No
Brasil a prova da morte relacionada aos casos de “Karoshi” também é difícil,
pois não existe um critério fixo como o estabelecido pelo Governo japonês. No
estudo da responsabilidade civil subjetiva, em regra a aplicada em casos de
acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, é imprescindível a presença simultânea
dos três pressupostos: acidente ou doença ocupacional, nexo causal da
ocorrência com o trabalho e culpa do empregador.
Vale
ressaltar que só a ocorrência do evento danoso (morte, no caso do “Karoshi”)
não é suficiente para impor a obrigação de indenizar, devendo existir concomitantemente
a relação de causa e efeito entre o trabalho e a morte, como também a culpa.
Em
casos de morte ocorrida no ambiente do trabalho em razão de doenças não
reconhecidas como sendo ocupacionais (listadas pelo Decreto n. 3.048/99), deve-se
provar o nexo de causalidade entre a doença e o trabalho desempenhado pelo
empregado, sendo esse um dos temas mais difíceis em matéria de responsabilidade
civil.
A
relação de causa e efeito, nesse caso, deve cingir-se à demonstração de que as
condições de trabalho foram determinantes para causar a doença.
Sebastião
Geraldo de Oliveira, p. 129/130, esclarece que
[...] a
identificação do nexo causal nas doenças ocupacionais exige maior cuidado e pesquisa,
pois nem sempre é fácil estabelecer se a enfermidade apareceu ou não por causa
do trabalho. Em muitas ocasiões serão necessários exames complementares para
diagnósticos diferenciais, com recursos tecnológicos mais apurados, para formar
convencimento quanto à origem ou às razões do adoecimento.
A
própria lei acidentária exclui do conceito de doenças do trabalho as
enfermidades degenerativas e aquelas inerentes ao grupo etário. Isso porque, em
tese, os empregados que têm propensão a tais patologias estão vulneráveis ao
adoecimento independentemente das condições de trabalho. Nessas hipóteses as
doenças apenas ocorrem “no” trabalho, mas não “pelo” trabalho; aconteceram no
trabalho, mas não tiveram o exercício do trabalho como fator etiológico.
Em
algumas situações é preciso ponderar que basta um grau elevado de probabilidade
para se concluir que determinado fato foi causador do dano.
Nesse
aspecto, Agostinho Alvim, citado por Felipe P. Braga Netto, expõe: nem sempre
há certeza absoluta de que certo fato foi o que produziu determinado dano.
Basta um grau elevado de probabilidade.
Além do
nexo causal, para a configuração da responsabilidade do empregador exige-se a
prova da culpa, caso o entendimento seja de que se trata de hipótese de
responsabilidade subjetiva.
O
Código Civil prevê a culpa no art. 186:
Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O núcleo
conceitual da culpa, conforme salientado por Sebastião Geraldo de Oliveira, p.
148, “está apoiado na falta de observância do dever geral de cautela ou de agir
de modo a não lesar ninguém”.
A culpa
do empregador caracteriza-se, portanto, quando ocorre uma conduta que revela
imprudência, negligência ou imperícia.
A
caracterização da culpa também ocorre quando resta demonstrado que a conduta do
empregador infringiu normas legais de proteção ao trabalho, como, por exemplo,
exigência de trabalho em horas extraordinárias acima dos limites legais, inobservância
dos repousos legais.
Porém,
não é somente a violação da lei que configura a culpa, mas também a violação do
direito, uma vez que a lei não é capaz de enumerar todas as hipóteses do
comportamento humano, sendo a expressão “violação de direito” utilizada pelo texto
legal justamente por essa razão.
No caso
da aplicação da teoria do risco, prevista no parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil, não será necessária a prova da culpa.
A
doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a aplicação da teoria do risco nos
casos de acidente do trabalho, como se depreende do seguinte julgado da Oitava
Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:
EMENTA:
ACIDENTE DO TRABALHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Aplicase ao Direito do
Trabalho o disposto no parágrafo único do art. 927 do CC/02, que prevê a adoção
da teoria do risco, para efeito de reparação do dano por acidente do trabalho,
independentemente da apuração de culpa do empregador, em hipóteses que, por sua
natureza, assim for exigido. Não obstante o disposto no art. 7º, inciso XXVIII,
da CF/88 preveja o direito do trabalhador à indenização por danos morais e materiais
em caso de acidente de trabalho quando o empregador “incorrer em dolo ou culpa”,
não se pode olvidar de que, em atividades em que o risco lhes é imanente, não
há que se falar em apuração de culpa, no sentido clássico, pelo que a responsabilidade
do empregador deve se consumar pelo critério objetivo. Resaltesse que o
legislador deixou ao aplicador do direito a interpretação do que seja atividade
normalmente de risco, para efeito de incidência do disposto no parágrafo único
do art. 927 do CC/02. Não se trata, por certo, de qualquer atividade
laborativa, mas apenas daquelas que, pelas condições especiais em que
realizadas ou pela probabilidade maior de ocorrência de acidentes, colocarem o
laborista em condição de risco mais acentuada do que outros trabalhadores de
áreas diversas.
(TRT 3ª
Região, 8ª Turma, RO 00403-2007-145-03-00-6, Relatora Desembargadora Denise
Alves Horta, DJ 16.02.2008, p. 27)
Todavia,
não existe ainda entendimento firmado em quais casos de doenças ocupacionais ou
acidentes do trabalho será aplicável a teoria do risco, variando o entendimento
conforme o caso concreto, conforme se vê na doutrina e jurisprudência.
O que
se defende é que a atividade de risco é aquela que gera possibilidade de
acidente ou doença acima da média do risco que toda sociedade corre. A norma abarcaria,
assim, não só atividade perigosa, mas também aquela que expõe o trabalhador a
doenças em um nível acima da média.
Desse
modo, conforme a lei, se o empregador criou o risco, deverá responder objetivamente
pela indenização, independente de culpa.
Depreende-se
da norma legal que não se exigiu nenhum comportamento do sujeito, bastando que
a atividade normalmente desenvolvida gerasse o dano.
Diante
disso, conclui-se que a comprovação do “Karoshi” não foge dos aspectos gerais
adotados nos casos de responsabilidade civil, sendo aplicável o artigo 186 do
Código Civil em caso de responsabilidade subjetiva e o artigo 927, parágrafo
único, quando se tratar de hipótese de responsabilidade objetiva do empregador.
5 CONCLUSÃO
Os
fatores de risco no trabalho devem ser estudados tanto em termos de intensidade
do trabalho e de magnitude das horas de trabalho quanto aos efeitos sobre os
trabalhadores, de modo a tornar possível a caracterização de doenças comuns
como sendo doenças ocupacionais capazes de causar a morte do empregado.
O fator
propulsor da doença nos casos descritos como “Karoshi” (cardíaca, neurológica,
vascular, etc.) tem sido identificado como o excesso de trabalho, o trabalho em
turnos, com a alternância de horários, o que deve ser objeto de melhor adequação
por parte das empresas, evitando assim situações como a de milhares de
trabalhadores vitimados nos últimos anos.
Fato é
que o trabalho em geral é o centro da vida das pessoas, sendo necessário para a
estabilidade das famílias e sociedade.
As
pessoas precisam do trabalho, mas querem também que seus direitos fundamentais
sejam respeitados e necessitam de alguma proteção quando não podem trabalhar em
razão das doenças e lesões no trabalho.
Não se
tem dúvida de que trabalho decente é um trabalho seguro, mas percebe-se que
estamos muito longe de alcançar esse objetivo, pois todos os anos vê-se nas
estatísticas que milhões de homens e mulheres perdem a vida através de
acidentes e doenças relacionados ao seu trabalho.
A
consciência do problema ainda é muito baixa talvez porque esses incidentes são
dispersos, considerados como fatalidades e, excetuando alguns casos dramáticos,
noticiados pelos meios de comunicação, a grande maioria dos que não morrem cai
doente ou ferida por causas relacionadas ao trabalho, fica desamparada e
despercebida.
Essa
realidade deve mudar, primeiramente, dentro da organização das empresas,
partindo dos comandos decisórios a adoção de medidas para que os casos não
sejam analisados apenas de modo contextualizado ou isolado, ou seja, quando ocorreu
um acidente ou doença, mas de forma ampla, tendo como ponto de partida os fatores
de risco, isto é, verificação de como o trabalho era executado, se o trabalho era
desempenhado em sobrejornada, se o empregado foi treinado para desenvolver a
atividade corretamente, se tirou férias no período devido, entre outras
questões.
Além
disso, é preciso que as autoridades fiscalizem mais, atuem mais na imposição de
medidas preventivas e repressivas e busquem dar importância aos direitos
humanos fundamentais, ao trabalho digno, o que poderá ser alcançado, quando não
for possível a conciliação, por meio de decisões judiciais precursoras como a
proferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região no julgamento
acima noticiado.
REFERÊNCIAS
- BRAGA
NETTO, Felipe P. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 111.
-
BRITTO, Daniela Prata e SANTOS, Paula Borba dos. In Psicodinâmica do
trabalho e Karoshi: impactos na vida do trabalhador, sítio
http://www.frb.br/ciente/ADM/ADM.BRITO&SANTOS.F2%20.pdf, acessado em
23.02.2008.
-
CAMARGO, Beatriz. In Investigação reafirma ligação entre morte e excesso de trabalho,
sítio http://www.reporterbrasil.org.br, acessado em 23.02.2008.
-
GUIMARÃES, Liliana A. M. In “KAROSHI”, MORTE POR SOBRECARGA DE TRABALHO,
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